domingo, 8 de junho de 2025

Pode-se Assistir à Missa Nova? Um Estudo Teológico e Moral à Luz da Tradição

Texto de Joathas Soares Bello sobre assistir à Missa Nova

(transcrito e estruturado a partir da leitura feita no vídeo): Missa nova: Válida ou inválida? Lícita ou ilícita? Obrigatória ou dispensável? ~ Prof. Joathas Bello

Pode-se assistir à Missa Nova? Um Estudo Teológico e Moral à Luz da Tradição

1. Introdução: A dúvida sobre a Missa Nova

Muitos se perguntam — e me perguntam — se a Missa Nova é válida, se é lícita, se se pode faltar a ela. Ora, os tradicionalistas mais radicais consideram que o novo rito é válido em tese, ou no papel, o consideram ilícito, por ser uma ruptura com a teologia eucarística do rito tradicional, conforme canonizado por São Pio V.

De modo geral, falta à teologia católica uma reflexão sobre a relação entre liturgia e tradição. A liturgia é reduzida erroneamente ao direito canônico ou aos costumes, em sentido vago, e à distinção própria e justa da filosofia política entre legalidade e legitimidade. E sobra uma compreensão absolutista do poder papal.

2. A Missa Nova e o terceiro mandamento

Um problema moral tão central e sensível como é o cumprimento do terceiro mandamento não pode ser reduzido nem a uma perspectiva juspositivista nem à dureza legalista. Uma reforma litúrgica está, em princípio, dentro das prerrogativas do Papa. Ocorre que a reforma litúrgica pós-conciliar concretamente rompeu com o rito romano dos séculos, instituindo uma nova forma ritual.

Conforme escreveu Paulo VI na constituição Missale Romanum, essa nova forma foi adaptada à mentalidade moderna, e a estrutura tradicional foi substituída por outra, que se afasta da teologia eucarística católica consagrada em Trento, como escreveram os cardeais Ottaviani e Bacci.

3. Validade e intenção do rito

Segundo a teologia sacramental jurídica tradicional, a validade do Sacramento está vinculada à presença da forma e da matéria instituídas por Cristo, de um ministro validamente ordenado e, segundo o Concílio de Trento (Cânon 11 da Sessão VII), que esse ministro haja segundo a intenção da Igreja.

Essa intenção sempre se pressupõe nos ritos aprovados. No Novus Ordo, a intenção da Igreja — de oferecer o sacrifício expiatório de Cristo enquanto representação ou atualização do único Sacrifício do Calvário — é algo próprio e exclusivo da Missa.

O chamado sacrifício de louvor ou de ação de graças ocorre de forma mais ampla: seja no culto público da Igreja, como o Ofício Divino e a Liturgia das Horas, seja, de modo geral, na oração privada dos fiéis.

Essa intenção expiatória, portanto, não está presente explicitamente no ordinário da Missa Nova. O lugar adequado para sua expressão seria o ofertório, o qual foi substituído por uma apresentação dos dons, que remete à beraká judaica.

Essa intenção, contudo, não está formalmente negada e está afirmada no magistério conciliar, por exemplo, na constituição Sacrosanctum Concilium, nas encíclicas Mysterium Fidei (Paulo VI) e Ecclesia de Eucharistia (João Paulo II), no Credo do Povo de Deus (Paulo VI) e na instrução geral do missal.

Pode-se supor, portanto, que o novo rito também pode ser oferecido em conformidade com a intenção da Igreja, ou que essa intenção, enquanto tal, permanece presente no contexto da reforma litúrgica.

4. As fragilidades da Missa Nova

Mas o novo rito padece da precariedade do horizonte conciliar. Ele é dialógico, ambíguo e, nessa medida, precário. O ministro e os fiéis não aprendem a intenção da Igreja apenas pela celebração do rito novo. Ela deve ser sabida por formação teológica e catequética extra-ritual, fora da missa, e acrescentada interiormente à celebração.

Como já se disse, o rito novo poderia ser celebrado, sem constrangimento, por um pastor luterano. Isso porque, de sua estrutura teológico-ritual, não se deduz necessariamente a realização da expiação.

Assim, o rito novo é uma lei imprudente, e, consequentemente, não perfeitamente adequada ao autêntico bem comum da Igreja.

5. Limites da autoridade papal e o valor do rito tradicional

Entenda-se que a autoridade canônica do Papa não é absoluta. Ela está submetida tanto à lei natural quanto à lei divina revelada, que, neste caso, expressa-se através da entrega ininterrupta do rito romano, crescido e desenvolvido no tempo — coisa que não é mais o novo rito.

Objetivamente, a reforma litúrgica não poderia ter mudado a estrutura ritual tradicional. Por extensão, trata-se de uma lei injusta. São Pio V reconheceu o rito tridentino como parte da tradição apostólica, como de instituição divina.

Em princípio, qualquer sacerdote pode celebrá-lo sempre. Entretanto, uma é a situação moral do Papa, outra é a situação moral dos fiéis, que, via de regra, não têm a menor condição de fazer as distinções aqui feitas aqui.

6. Dilemas práticos e consciência individual

Ainda que aqueles muito piedosos e razoavelmente lúcidos possam desconfiar, em algum momento de seu desenvolvimento espiritual, de que algo não vai bem com a liturgia oficial da Igreja — e digo isso não só por causa dos abusos — mas pela existência de um rito que pode ser permanentemente abusado, por causa de sua estrutura própria enquanto rito.

Essa é uma situação inusitada e paradoxal. Como já disse alhures: a apologética moderna colapsa diante do problema conciliar.

Quem quiser estender ainda a efetividade da Igreja à criação de uma estrutura ritual inédita, associada a um magistério meramente autêntico, em contraposição ao magistério tridentino infalível sobre o dogma eucarístico, está associando à Esposa de Cristo uma multidão de celebrações pós-conciliares irreverentes — e até abomináveis — por ocasião da ambiguidade do rito.

7. Julgamentos, consciência e misericórdia

Quem quiser condenar a vida litúrgica conciliar en toto, ou seja, como um todo, está dizendo que Deus abandonou completamente milhões de ovelhas retas, que estão em boa consciência e que não têm acesso aos sacramentos tradicionais — e, portanto, não teriam acesso às respectivas graças.

Estamos diante do mistério da iniquidade, da fumaça de Satanás no interior do templo, por causa da incúria e invencibilidade pastorais, por um procedimento não tradicional e pela simpatia envergonhada — não realmente misericordiosa — pelo mundo, o judaísmo e o protestantismo.

Do ponto de vista moral, não existem respostas fáceis e unívocas. O juízo prático — se se pode ou não se pode ir — não tem o caráter de certeza do juízo especulativo.

8. Conclusão: Um discernimento prudente

A intenção expiatória não está expressa na estrutura do ordinário. Se alguém aborrece um fiel que vai à Nova Liturgia por amor a Cristo, age mal.. Se alguém aborrece um fiel que não suporta ir à Nova Liturgia por amor a Cristo, também age mal.

Alguém pode encontrar uma Nova Liturgia celebrada providencialmente, com decoro, por um piedoso sacerdote, e auferir a graça do sacrifício tanto ou mais do que muitos que vão à liturgia tradicional, provada e superior teológica e esteticamente.

Outro pode não ser capaz de perceber os abusos e, embora haja um real obstáculo no âmbito psicológico para o aproveitamento da graça, será justificado, ainda que não tão santificado quanto poderia chegar a sê-lo.

Para um terceiro, a participação na Nova Liturgia pode representar um estorvo psicológico insuperável, com o qual não cumprirá o preceito do ponto de vista interior, que é o evangélico, ou seja, o que realmente importa.

Não existe obrigação de participar de uma celebração que parece expressar uma intenção distinta da eclesial, e na qual o sacrifício do Senhor é tratado com irreverência. O heroísmo, a santidade estrita, não está ao alcance de todos.

Outro pode querer ficar conscientemente na celebração, para sofrer com o Senhor, com o coração despedaçado, mas substituindo as más disposições da assembleia por sua dor unida à de Cristo — mas não pode ser tido como exemplo absoluto. Quem pode julgar os corações?

Em nenhum caso se pode ir a uma celebração em que a impiedade ou a blasfêmia são ostensivas, porque a intenção da Igreja é incompatível com o ato intrinsecamente mau.

É uma situação insólita. E quem empreender uma resposta única, sem buscar ver a realidade da Igreja e dos fiéis com os olhos iluminados pelo Sagrado Coração e pela Divina Misericórdia, certamente tropeçará — e fará tropeçar.

Observações feitas pelo professor Cleidson Granjeiro (portanto é uma opinião da Missão Regnum Mariae sobre o tema)  sobre o texto de Joathas Soares Bello:

1. Fiéis sem conhecimento teológico, mas piedosos

Se uma pessoa não conhece os problemas da Missa Nova, mas vai com fé, simplicidade e amor a Cristo, ela pode sim se santificar, mesmo com as fragilidades do rito.

Como afirma o autor, mesmo diante de “obstáculo psicológico para o aproveitamento da graça”, o fiel pode ser justificado e beneficiado pela ação da graça divina, conforme sua boa fé.

2. Fiéis conscientes que deixam de ir por amor a Cristo

Se alguém conhece os problemas estruturais e teológicos da Missa Nova, e decide não participar dela por amor a Cristo, mesmo sem acesso à Missa Tridentina, essa pessoa não peca.

Segundo o texto, não há obrigação moral de participar de uma celebração que expresse uma intenção ambígua ou distinta da tradição eclesial. O autor ainda afirma:

“Quem aborrece um fiel que não suporta ir à Nova Liturgia por amor a Cristo, age como um mau anjo.”

3. Fiéis conscientes que continuam indo por espírito de sacrifício

Mesmo conhecendo os problemas do rito, se o fiel participa da Missa Nova por piedade, amor à Eucaristia e união à dor de Cristo, ele também pode se santificar.

Essa atitude é válida, embora o próprio autor destaque que não deve ser imposta como modelo universal.

“Outro pode querer ficar conscientemente na celebração, para sofrer com o Senhor, com o coração despedaçado.”

4. Limite moral absoluto: quando não se pode assistir

E por fim, o texto também traz um critério claro e firme que serve de baliza objetiva para todos os casos:

“Em nenhum caso se pode ir a uma celebração em que a impiedade ou a blasfêmia são ostensivas, porque a intenção da Igreja é incompatível com o ato intrinsecamente mau.”

Observação: A Missão Regnum Mariae compreende os fiéis que, por consciência, deixam de assistir à Missa nova — mesmo quando bem celebrada — por julgarem mais fiel agir assim. Contudo, embora consideremos essa posição lícita, não a julgamos prudente.



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